Red de Mujeres Filósofas de América Látina

Entrevista exclusiva: Carolina Araújo [portugués]

Carolina Araújo es profesora de Historia de la Filosofía Antigua en el Departamento de Filosofía de la Universidad Federal de Río de Janeiro, investigadora del Consejo Nacional de Investigación (CNPq), presidenta de la Asociación Latinoamericana de Filosofía Antigua y administradora de la Red Brasileña de Mujeres Filósofas. Ha publicado varios artículos sobre Platón y, más recientemente, sobre mujeres en filosofía en Brasil.

Carolina Araújo é professora de História da Filosofia Antiga do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), presidente da Associação Latino-Americana de Filosofia Antiga e administradora da Rede Brasileira de Mulheres Filósofas. Publicou amplamente sobre Platão e, mais recentemente, sobre mulheres na filosofia no Brasil.

 

Qual é a relevância da filosofia, e da filosofia antiga, hoje?

A filosofia é sempre urgente e sempre ameaçada. Quem me ensina isso são os filósofos antigos, a tradição que nos restou deles e aquela que se perdeu ao longo da História. A história da filosofia não é um estudo do que foi superado, ela é um estudo do nosso presente. O progresso, suposição a partir da qual se estabelece que teses possam superadas, é uma marcha em uma determinada rota. É natural ao pensamento seguir essa rota, mas também é natural que, ao trilhar uma só rota, ele chegue a um momento de obstrução, que os antigos chamavam de aporía. Buscar compreender o mundo é um exercício de desenvolvimentos e bloqueios. E quando os bloqueios ocorrem, é preciso voltar ao início. As questões precisam ser recolocadas, muitas vezes formalmente reformuladas, e por isso entender o nosso presente requer o exercício de olhá-lo de outro ponto de vista. Obras de outros tempos e espaços nos oferecem essa perspectiva insólita.

Veja o Brasil hoje: aqui e agora há um grupo poderoso que tem por meta fazer dos filósofos os inimigos do povo. Quem leu Platão sabe por quê: a filosofia é uma forma de resistência à demagogia e a formas de tirania que derivam dela. Algumas linhas dominantes na filosofia podem discordar dessa descrição. Isso porque, ao identificar-se como teóricas, por oposição a uma vertente prática da filosofia, alegam que o que fazem é uma atividade acadêmica de análise. Eu diria que, em parte, elas tomam essa posição precisamente porque rejeitam a história da filosofia como prática filosófica. O que a história da filosofia explica é que a academia é ela mesma uma importante forma de resistência à violência política; foi assim que Platão a pensou. 

A filosofia importuna porque refuta, porque tem a verdade (ou os diferentes conceitos de verdade) como fim, e porque emprega procedimentos de associação singulares. Ela incomoda porque se configura como uma comunidade de agentes que deixam de seguir a ordem dada para se dedicar a formular hipóteses e testar novas respostas. Isso obviamente não pode ser feito como um movimento de massa, uma vez que requer participação ativa, mas pode ser feito com em uma escala bastante estendida. Por si só, porque é uma relação entre pares, uma associação igualitária, essa forma de organização desafia os que tentam concentrar o poder em suas mãos. A prática da filosofia é intrinsecamente anti-opressiva, ela constitui uma política diferente. É a análise filosófica ela mesma, com o seu rigor específico e sem compromissos extrínsecos a ela própria, que é um ato político de construção de um outro mundo. Isso é urgente, isso está ameaçado, sempre: na Atenas do século IV a.C., no Brasil de hoje.

 

Qual é a importância das mulheres na filosofia?

Se temos em mente que a prática da filosofia é uma atividade igualitária entre pares, a questão da minoria feminina é um problema para a própria filosofia, é uma questão filosófica. Isso é em geral pouco claro, mesmo às filósofas. Meu ponto de partida, como o de diversos colegas em vários países, foi estabelecer incontestavelmente não apenas a minoria das mulheres na filosofia no Brasil, mas também a sua exclusão ao longo da carreira de professor e pesquisador. O cenário de minoria é muito comum às ciências formais e naturais, como a matemática e a física, porém há uma diferença: essas áreas têm poucas mulheres já de partida e não excluem tanto ao longo da carreira como nós excluímos. Esse cenário de exclusão na carreira, por sua vez, é o caso de áreas afins à nossa, como a Educação e as Letras. Nelas, porque há um grande número de mulheres na graduação, esse número contrasta fortemente com a proporção de homens em núcleos de pesquisa e excelência. Ao conjugar os dois cenários, a filosofia é um híbrido, nós excluímos muito e não temos maioria de partida.

Procuro então mapear quais são as dificuldades que as mulheres encontram nisso que consideramos ser a específico à filosofia. Há casos extremos, como o assédio e a discriminação. Esses são muito graves e as instituições ainda vacilam, tanto em estabelecer um protocolo oficial de procedimento, quanto em seguir o protocolo que por ventura estabeleçam. Os números de denúncias, entretanto, apontam que esses casos não podem justificar tamanha desigualdade de gênero. Pode ser, claro, que ainda haja demasiadas denúncias silenciadas; mas é prudente buscar outras explicações.

Há uma coincidência de fatores que, para mim, desenha uma hipótese bastante plausível para explicar a questão. De um lado, nós temos uma tradicional atribuição majoritária às mulheres das funções de cuidado no âmbito da reprodução social. Entendo que isso é peculiarmente gritante no Brasil e se estende em diferentes graus aos demais países da América Latina. Verifico também que é particularmente grave em relação às mulheres negras: por exemplo, o fato de elas ainda hoje serem grande maioria das empregadas domésticas no Brasil é indicador social da sua tradicional associação às funções de cuidado. Do outro lado, está uma inserção da atividade filosófica nos padrões do capitalismo neoliberal, em que demandas quantitativas de produção cada vez mais elevadas tornam o ingresso nos postos de trabalho em filosofia o resultado de uma competição cada vez mais acirrada. 

Associados, esses dois fatores têm, por exemplo, tornado inviável o ingresso de uma jovem mãe nesses postos. Já se pode identificar nos departamentos de filosofia em todo o mundo não apenas a minoria de mulheres, mas a quase extinção da filósofa-mãe. A escolha tem sido imposta às filósofas, e é natural que ela seja mais simples em sociedades em que a emancipação feminina esteja mais consolidada. A sociedade brasileira, porém, ainda educa mulheres pelo modelo social da maternidade e torna essa escolha bem mais difícil. Não obstante, não é isso que deve ser discutido; o ponto é que essa escolha não deve ser imposta a ninguém. É claro que determinadas profissões impõem certas restrições à vida pessoal, mas aqui se trata da exclusão de todo um grupo de profissionais qualificados em função de um fator que é natural aos seres vivos, a reprodução.

Contornar essa situação depende de inserir modificações dentro da comunidade filosófica. Aqui são necessárias, sim, mudanças de atitude. Eu acredito que essa seja a missão da Rede Brasileira de Mulheres Filósofas, uma associação horizontal de profissionais de filosofia engajados em formular, debater, reunir forças, divulgar e expandir iniciativas que tratem da questão das mulheres na filosofia. Tenho dedicado meu tempo e minhas energias à consolidação da Rede. Entendo que ela é um presente para uma geração futura de filósofas e filósofos que hão de conseguir se reinventar para restaurar a prática igualitária que nos caracteriza.

 

Por que ler as filósofas?

Eu dizia há pouco que o modelo social da maternidade é ainda muito forte na educação de mulheres. Nesse quadro, a ausência do outro modelo social é também marcante: o modelo da filósofa. Nem todos os processos educacionais são racionais, eles são também afetivos, principalmente até a juventude. Uma estudante de Ensino Médio provavelmente sabe o nome de um filósofo, mas é muito raro que ela conheça uma filósofa, mais raro ainda que tenha lhe passado pela cabeça tornar-se uma filósofa. Essa falta de modelos inspiradores, de acesso a esses modelos, continua mesmo para quem cursa a graduação. Aqui está uma tarefa aos profissionais de filosofia: introduzir as obras das filósofas em suas aulas e em suas pesquisas, lê-las, discuti-las. E filósofas de vários lugares do mundo, de diferentes etnias, raças, oriundas de diferentes classes sociais e de diferentes momentos do tempo. Além disso – por que não? – resgatar o que podemos saber das filósofas cuja obra não nos chegou; estabelecer uma metodologia de história da filosofia para tirá-las do silêncio que a tradição lhe impôs. Nós resgatamos o pensamento dos pré-socráticos, por que não resgatarmos o de tantas outras pensadoras de que temos notícias? 

Eu tenho me dedicado ao resgate da obra de filósofas em duas ações. Coordeno o Quantas Filósofas?, um projeto de extensão da UFRJ em que alunos de graduação pesquisam e escrevem sobre filósofas. É assim que procuro inserir a questão no curso de filosofia. Também participo da equipe editorial do Blog Unicamp Mulheres na Filosofia, que convida pesquisadores de destaque a escrever verbetes sobre filósofas e questões de feminismo. Esses verbetes têm um formato que facilitam o seu uso em sala de aula, mesmo no Ensino Médio, além de indicarem fontes para impulsionar novas pesquisas. Isso é um pouco do que eu tenho feito, mas há muitas outras grandes filósofas ocupadas com a mesma questão, no Brasil, na América Latina, no mundo. Fico muito contente com a conexão em rede que estamos construindo. Acho que isso é muito importante para as mulheres, e ainda mais importante para a filosofia.

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